"Resposta a Jó" é
um dos mais importantes livros de Jung, certamente sua obra mais polêmica. Em
sua velhice ele comentou que, se fosse reescrever algum de seus livros, não mexeria em Resposta a Jó. Este o satisfazia completamente.
Jung afirmou que o livro
reflete sua reação subjetiva, dando expressão à "emoção devastadora que o
espetáculo de selvageria nua e crua de divina crueldade produz em nós."
A Bíblia - Velho Testamento
- relata que Deus (Yahweh) aceitou uma aposta proposta por Satanás, que alegou poder
levar Jó a amaldiçoar Deus, desde que tivesse permissão para fazer o que
quisesse com ele. Yahweh concordou, e Satanás tirou todos os bens de Jó, matou
todos os seus filhos e trouxe-lhe uma doença dolorosa. Mas não teve êxito.
Sobre Jó, o Senhor declarou:
"não há nenhum semelhante a ele na terra, um perfeito e integro homem, que
teme a Deus e do mal se desvia." Como
Deus pode permitir tal injustiça com um homem que considerava "perfeito,
integro e temente a Deus, e que desprezava o mal"? Como poderia Deus
permitir a Satanás ferir Jó com tantas desgraças? Por uma simples aposta!
Como
o livro foi escrito?
Jung resistiu a escrever
este livro. Ele queria evitar mais polêmicas com teólogos, já que havia
recebido muitas críticas ao seu último livro "Aion". Mas foi forçado
a ir em frente. Jung disse em uma carta: "Se existe algo como o espírito agarrando
você pela nuca, foi a forma como este livro veio à tona". Ele também disse
que "O livro veio a mim durante a febre de uma doença." Segundo
Edinger, um dos mais importantes discípulos de Jung, "o livro foi
praticamente ditado a ele a partir do inconsciente e, logo que foi concluído,
sua doença desapareceu."
A
polêmica
Jung considera o Livro de Jó
como um pivô na Bíblia. A tese de seu ensaio é que Deus sofreu uma evolução
após sua discussão com Jó: foi obrigado a encarnar em Cristo e veio ao mundo
para aumentar o seu nível de consciência.
Javé, o Deus do Antigo
Testamento, é completo. Como tal, incorpora o bem e o mal. Usando as palavras
de Jung, ele incorpora a sua sombra. Quando Ele encarna em Jesus, um Deus
exclusivamente bom, ele projeta Satanás. Como resultado, Satanás, que aparece
apenas quatro vezes no Antigo Testamento, é mencionado sessenta e seis vezes no
Novo Testamento.
Um dos primeiros Padres da
Igreja, Clemente de Roma, é citado como tendo dito que Deus dirige o mundo com
Cristo na sua mão direita e Satanás em sua esquerda.
Os teólogos não poderiam
aceitar a visão de um Deus inconsciente, ou que o Senhor poderia incorporar o mal,
assim como o bem. A igreja considera que todo o bem vem de Deus e todo o mal
dos seres humanos e, felizmente para Jung, a Inquisição já era coisa do passado.
A
explicação
Jung se definiu como um
psicólogo empírico e evitava qualquer ideia de que ele poderia estar tentando fazer
teologia. Ele alegou que não poderia dizer nada a respeito de Deus, a grande
força que criou o universo. Seu tema era o arquétipo que todo ser humano
carrega dentro de sua psique, que ele chamou algumas vezes de Deus, outras
vezes de Self ou imagem de Deus.
O verdadeiro Deus é
incognoscível para a psique humana. Provavelmente apenas os místicos poderiam
ter um contato direto com essa grande força, mas não poderiam descrevê-la com
as limitadas palavras da linguagem humana. A Bíblia, composta por seres
humanos, só poderia falar sobre essa imagem de Deus e nunca sobre o Deus Maior.
Mas os teólogos não quizeram
ouvir as explicações de Jung. Eles ficaram indignados, e, quando a emoção vem à
cena, a razão é ineficaz. Apesar de Deus ser incognoscível, e da Bíblia haver
sido escrita por seres humanos, ainda que inspirada pelo inconsciente, eles não
podiam aceitar que o Deus da Bíblia não era Deus, mas uma imagem arquetípica de
Deus que todo ser humano mantém dentro sua psique, uma vez que o próprio Deus
não pode ser captada por palavras humanas ou descrições.
E esta imagem de Deus
definitivamente evoluiu ao longo do tempo. Como podemos dizer que o Deus do
Antigo Testamento, irado e injusto, poderia ser o mesmo Cristo?
A estimativa comum é que o
livro de Jung é um ataque apaixonado e implacável ao Deus do Antigo Testamento.
Isso não é verdade. Psicologicamente falando, é uma tentativa de se chegar a um
acordo com a imagem luminosa do Self e sua realidade dramática.
Roberto Lima Netto, autor de
"O Pequeno Príncipe para Gente Grande", já na quarta edição, e "Os
Segredos da Bíblia".
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Muito bom, goste muito de saber um pouco antes de ler o livro que me foi recomendado. Obrigada e estou gostando de conhecer este Deus que as igrejas nao podem conhecer
ResponderExcluirRoberto, como sempre, é capaz de ir ao âmago de uma questão de uma forma que está muito além do convencional.
ResponderExcluirEstou lendo "Resposta a Jó" após ler "Deus - uma biografia" de Jack Miles. Miles faz uma abordagem do antigo testamento como uma obra-prima da literatura universal, onde Deus é um personagem. É bom comparar as abordagens de Jung e de Miles quanto ao choque que a divindade do antigo testamento provoca em nós através do drama de Jó. Creio que a abordagem de Jung vai mais longe, atingindo as profundidades de nossa psique. Só sinto que Miles, que cita tantos poetas e autores que falaram de Jó, como Robert Frost e outros, não faz menção alguma a Jung, que escreveu seu livro antes da obra dele. Parabéns pelo blog. Um abraço.
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